Método japonês transforma aprendizagem de alunos de uma escola municipal de Araçatuba

A palavra Matemática tem o poder de causar arrepios em muita gente, principalmente nos alunos das séries iniciais da educação regular. O medo de errar, provocado principalmente pelos métodos tradicionais de ensino dessa disciplina, criaram um tabu que separa o prazer da realização de operações e cálculos, deixando o processo penoso.

Uma realidade que começou a mudar na escola municipal Ermelinda Geralda da Silva Soga, depois que uma professora inseriu uma nova forma de aprender Matemática por meio do uso de um instrumento de cálculo japonês: o Soroban.

Descendente de japoneses, a professora Renata Okano Shiraishi morou no Japão por 20 anos. Lá, se formou em Pedagogia, especializou-se em neuropsicopedagia e atuou no ensino em uma escola brasileira que aplicava também disciplinas japonesas. “Lá eu trabalhava muito com o Soroban, que é um tipo de ábaco (instrumento de cálculo) para ensinar a Matemática”, explica.

No Brasil há 5 anos, Renata teve a oportunidade de usar o método pela primeira vez em Araçatuba em 2017, quando apresentou um projeto para ser aplicado nas oficinas desenvolvidas na escola municipal Professora Eagles Gabas de Carvalho, onde atuou até o ano passado.

No início deste ano, a nova oportunidade veio no trabalho na EMEB Ermelinda, para os alunos do Projeto Experimental de Reforço Intensivo, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação para as disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. As turmas são formadas por alunos matriculados a partir do segundo ano do ensino fundamental. As aulas acontecem duas vezes por semana, para cada turma, e sempre no período inverso das aulas regulares. “Como seria a professora do reforço de Matemática, fiz a proposta de aplicar esse método, que foi aprovada”, destaca.

Renata relembra que o primeiro passo foi quebrar o estigma e a sensação de rebaixamento taxado a todos os alunos que são encaminhados para o reforço escolar. “Essas crianças chegaram pra mim com a autoestima muito baixa, principalmetente por que ouviam dos coleguinhas que eles estavam indo para o reforço por que eram “burros”. Foi feito todo um trabalho para quebrar essa barreira e só então iniciar o ensino. A prioridade foi recuperar essa autoestima e motivá-los a participar do reforço”, destaca.

A professora explica que os alunos do reforço chegam sempre com muitas dificuldades na aprendizagem, e isso não está relacionado apenas aos números. Ela relata que a principal delas é a leitura. “A maioria não sabe ler e interpretar. E essa é uma defasagem que vem desde o primeiro ano do ensino . Devido a isso, foi feita uma análise junto com o professor regular, para ver a dificuldade de cada um deles. Detectamos que há muitos alunos do terceiro ano que têm as mesmas dificuldades que os de primeiro, pro exemplo.Com esse diagnóstico, formamos as turmas para o reforço, que não são agrupadas pro série, mas pro grau de dificuldade”.

O SOROBAN

O instrumento de cálculo japonês, Soroban, foi o protagonista nesse processo de mudança. À primeira vista, o objeto retangular cheio de peças mais parece com um brinquedo. Mas, para quem o conhece, o considera como uma espécie de calculadora primitiva. Trata-se de uma moldura de madeira retangular com hastes verticais deslizantes e uma barra divisória fixa horizontal.

O objetivo dele é realizar contas com agilidade e perfeição, permitindo executar operações como adição, subtração, divisão, multiplicação e extração de raízes quadrada e cúbica. É possível fazer também a conversão de pesos e medidas, operando com números inteiros, decimais e negativos.

Renata explica que os benefícios dele no ensino vão além de aprender as operações. “Quando você pega a calculadora, você já tem um cálculo pronto e não precisa ativar o cérebro para trabalhar nosso. Já com o Soroban, a criança tem que primeiro interpretar o instrumento e fazer todo o movimento requerido a ele. E o que acontece com esse movimento? É um movimento de pinça, que facilita e dá estímulos para a parte frontal do cérebro, onde fica o raciocínio e a memória . Trabalhando, desta forma, a atenção sustentável da criança”, ressalta.

PRIMEIRO CONTATO

Na primeira aula do reforço, Renata conta que os alunos não tinham ideia do que era o Soroban. “Entreguei um para cada aluno. Eles mexeram, brincaram. Virou carrinho, chocalho e outros brinquedos, deixando as crianças muito curiosas. Após esse primeiro contato, eu expliquei qual era a verdadeira finalidade dele”, diz.

A novidade provocou nos alunos a sensação de privilégio em estarem aprendendo algo que os outros alunos não conheciam. “Eles chegavam à sala de aula e já perguntavam: ‘Você sabe o que é Soroban?’ Os amiguinhos diziam que não, e eles então explicavam. E esse comportamento se entendeu ao motorista do ônibus e também em casa, junto aos familiares. Se sentiram prestigiados pelo fato de só eles saberem o que era esse instrumento que não faz parte do cotidiano das pessoas. Isso elevou muito a autoestima deles “, revela.

Renata salienta que a evolução dos alunos está sendo surpreendente. Tanto que eles não querem sair mais do reforço, pois encontraram o prazer em aprender a Matemática. “O medo ronda as aulas dessa disciplina. O que provoca isso é o ensino sistematizado, em que o aluno é punido quando erra e não é levado em consideração o caminho que ele percorreu para chegar a determinado resultado, mesmo ele estando errado. É aquela pedagogia tradicional. O que é trabalhado aqui é o auxílio lúdico por meio de vários recursos, que incluem o Soroban, o desenho, o uso de tampinhas de garrafa e as brincadeiras”, afirma.

Mais que um objeto, o Soroban traz em sua proposta a neurociência dentro da sala de aula, facilitando o trabalho do professor. ” Vem comprovar tudo aquilo que a gente faz na prática, mas que não tinha um respaldo científico. Agora eu consigo trabalhar a atenção sustentada da criança e essa percepção, só com esse movimento, que estimula o cérebro. Permite liberar substâncias e neurotransmissores como dopamina e serotonina, que controlam as emoções e geram prazer”, destaca.

PRAZER EM APRENDER

Gustavo, de 7 anos, adora jogar futebol. Mas, depois que iniciou o reforço, a Matemática passou a ser outro prazer na vida do menino. “Antes eu não gostava, porque que não sabia fazer. Agora eu gosto de fazer as contas e gosto muito do Soroban”, revela.

Ser professora de Matemática já está entre os sonhos da pequena Yasmin, de apenas 7 anos. Pra quem não gostava na disciplina e sentia dificuldade em aprender, a mudança foi muito grande. “Agora eu to aprendendo”, diz ela, com brilho nos olhos.

A Rayane, de 8, é outra apaixonada pelos números, principalmente pelas conta de dividir, algo quase que impossível no passado. “Antes eu não sabia ler, não sabia fazer conta. Agora eu gosto por que tem o Soroban”, finaliza.

E dentro da sala de aula, observando as crianças estudando, é visível a transformação no comportamento. Ficam mais concentrados, sentem prazer em aprender e têm uma grande dedicação com as tarefas. “Eles ficam em silêncio durante a aula e estudam com gosto. É como se fosse uma conquista deles, e na verdade é. As próprias mães relatam essa mudança pra mim”, finaliza a professora Renata.

FONTE: Folha da Região.

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