Presidente eleito terá de lidar com ao menos 30 facções ativas em presídios

É na ausência do Estado que elas ganham o poder. As organizações criminosas, conhecidas por facções, atuam dentro e fora do sistema penitenciário brasileiro há quase três décadas. Desde então, o governo tenta controlar o crescimento dos grupos, que ultrapassaram fronteiras e já chegam a países vizinhos. Tráfico de drogas, mercado ilegal de armas e contrabando. O lucro das atividades ainda não poder ser mensurado, mas estudiosos afirmam que ultrapassa a casa dos bilhões. A menos de dois meses das eleições, o próximo presidente assumirá um país com altos índices de violência, cadeias superlotadas e orçamento enxuto. Será preciso apresentar políticas de enfrentamento e combate às facções, que intimidam agentes públicos, ameaçam a segurança pública e matam inocentes em nome do poder.

O Ministério Extraordinário de Segurança Pública registra ao menos 30 facções de peso em atuação no país. Entre as maiores, estão o Comando Vermelho, o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Terceiro Comando, a Família do Norte e Amigos dos Amigos. Formado nos presídios, em 1992, o PCC conseguiu driblar a política de segurança brasileira e ganhou espaço na população — não só carcerária — com o modelo de fraternidade e discurso contra a desigualdade social. Com presídios superlotados e condições precárias de reclusão, as facções oferecem “regalias” e apoio aos familiares dos presos.

Há ao menos 29 mil filiados só no Brasil. Organizado, o PCC se divide em células — conhecidas como “sintonias” — atuantes nas prisões e nos bairros de periferia das cidades. Os setores são conectados e formam coletivos decisórios em âmbito regional, estadual, nacional e internacional, a partir de divisões para segurança, finanças e jurídica. É essa espécie de comando que a torna tão distinta das outras facções.

O sociólogo Gabriel Feltran, professor da Universidade Federal de São Carlos e diretor científico do CEM (Centro de Estudos da Metrópole) da Universidade de São Paulo e autor do livro recém-lançado Irmãos, uma história do PCC (Companhia das Letras, 320 págs, R$ 49), explica que a estrutura do grupo é distante das outras. Não carrega a natureza empresarial ou militar e não há um chefe específico, mas bandidos experientes que são respeitados por outros integrantes. As prisões são comandadas por esses líderes e, mesmo os detentos que não são integrantes, seguem a lógica estipulada pela facção, explica Feltran.

Fernandinho Beira-Mar, Marcola, Marcinho VP e Nem são integrantes de facções que ficaram conhecidos como líderes pela atuação no crime. Todos estão presos em penitenciárias federais, de segurança máxima. Para Feltran, o fato de alguém ser preso não o retira do mundo do crime, apenas favorece a expansão do movimento. “Marcola, como outras lideranças do PCC, são, na visão dos integrantes, apenas ladrões reconhecidos. Mas não têm capacidade de mando.”

Quanto ao montante movimentado pela facção, o sociólogo afirma que não é possível mensurá-lo. “É muito difícil fazer esse cálculo. Os números que circulam sobre as drogas são baseados nas apreensões policiais. Só o mercado ilegal de veículos movimenta bilhões. O mercado de drogas é muito maior que isso.”

Em 2016, segundo último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), havia 726.712 pessoas encarceradas — o dobro do número de vagas oferecidas nas unidades prisionais, com 368.049. Além da população acima da capacidade dos presídios, o número de agentes penitenciários é insuficiente. Há 78.163 agentes penitenciários no país, relação de nove presos para cada agente penitenciário.

Mandantes

O ideal, de acordo com especialistas, é até cinco pessoas por agente. Nas penitenciárias federais de segurança máxima, por sua vez, oferece-se 832 vagas, mas só há 437 presos. Entre a população, estão líderes de facção ou mandantes de rebeliões nos presídios. O tempo máximo de permanência é de até dois anos. Contudo, tem presos que estão lá há sete anos.

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou à reportagem que os constituintes erraram, ainda em 1988, ao estabelecer que a segurança pública teria competência estadual em vez de nacional. Torquato criticou a falta de transparência nos repasses ao setor, o baixo número de agentes penitenciários e a negligência do Estado em relação à população carcerária. “Nos governos de Lula e Dilma, foram repassados R$ 1,2 bilhão para serem criadas 42 mil vagas para o sistema penitenciário. Cadê esse dinheiro? Não se sabe nem quantos presos há, de fato, no país”, disse.

Para o subprocurador-geral de Justiça, Mário Sarrubbo, a questão das facções criminosas envolve o grande número de presos e as más condições carcerárias, que facilitam a opção pelo ingresso nas facções — que proporcionam sobrevivência no sistema, algo não oferecido pelo Estado. “A rebelião de Carandiru, em 1992, foi um marco para o avanço das facções, que depois passaram a dominar outros estabelecimentos e saíram de São Paulo”, acrescentou.

Entre as razões para que os governos não tenham conseguido, até hoje, controlar a atuação e a formação das facções, estão, segundo Sarrubbo, nas “válvulas de escape da própria legislação que impede o controle absoluto dessa massa”. “Quanto maior for o problema carcerário, mais aumentará o crime organizado. O preso tem direito às visitas, por isso é impossível impedir a comunicação entre eles”, alertou.

A atração das organizações se intensificou após a dominação nas fronteiras, quando passaram a se envolver mais com o tráfico de drogas internacional, armas, produtos contrabandeados, combustíveis e transporte de pessoas. “O país tem muitas fronteiras, por isso há a internacionalização delas. Atualmente, atuam na área sul da América”, pontuou, entre as regiões brasileiras que ainda não conseguiram firmar braços no Distrito Federal, na Bahia e no Rio Grande do Sul.

Apesar do alastramento das organizações Brasil afora, Sarrubbo ressalta que, em São Paulo, a situação está “sob controle”. Estudiosos, no entanto, afirmam que nunca houve um controle de fato. Foi feito apenas um “acordo” entre as organizações e os agentes públicos, que passaram a designar aos grupos a responsabilidade de gestão dos presídios. “Em troca, não fazem rebelião”, explicou Guaracy Mingardi, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

Como solução, para Sarrubbo, está a integração entre as forças. Para isso, seria necessária a destinação de recursos para os setores e o cumprimento do Código Penal, que prevê a utilização dos regimes prisionais semiaberto, aberto e fechado. “Há verbas que não chegam aos estados. É preciso aperfeiçoar o sistema prisional, mas, antes disso, tem que cumprir o artigo 5º da Constituição, de que todos são iguais perante a lei”, disse. “O modelo de segurança pode até ser mantido, mas os trabalhos de inteligência devem ser aperfeiçoados.”

FONTE: Correio Braziliense.

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