Rotina na pandemia e queda de renda aquecem renegociações de dívidas
A gerente de vendas Larissa Silva, 29, comemora: em meio às dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19, ela e o marido, o publicitário Dagmar Nesi, 35, conseguiram um desconto de 25% na escola de Noah, de 2 anos.
“Meu marido trocou de emprego durante a pandemia, passou a ter um salário mensal menor, mas um bônus maior duas vezes por ano. A gente propôs mudar a forma de pagamento e conseguimos o desconto”, conta.
O casal também conseguiu rever as condições de financiamento da casa e os juros ficaram mais baixos.
“É sempre importante tomar coragem e tentar negociar, explicando a situação atípica imposta pela pandemia”, avalia Larissa, que diz ter sentido que a escola estava aberta para a negociação.
As novas rotinas impostas pelo distanciamento e uma redução na renda sofrida por boa parte das famílias brasileiras têm impulsionado as negociações de despesas mensais.
No caso das escolas, especialistas recomendam que os pais ou responsáveis conversem individualmente com a instituição para pedir que os serviços que não estão sendo oferecidos durante a pandemia –como o uso de quadras, piscinas ou refeitórios– sejam abatidos da mensalidade.
“A lei prevê que as escolas disponibilizem uma planilha de custos”, explica o advogado Igor Marchetti, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Algumas têm feito esforços para achar um meio-termo e a orientação é sempre negociar, mas o consumidor ainda é a parte mais vulnerável da relação”, diz.
Pesquisa feita pela plataforma Melhor Escola aponta que o momento tem sido favorável ao consumidor. Por conta da pandemia, 76% das escolas estavam dispostas a renegociar a mensalidade e nove em cada dez pais tentaram fazer isso no ano passado. Este ano, 56,6% das escolas não reajustaram as mensalidades.
Já para os financiamentos, o mutuário pode tentar a portabilidade (transferência do contrato para um outro banco) como alternativa para reduzir os juros. Vale simular a transferência para a nova instituição e apresentar a simulação no banco atual, para tentar conseguir uma contraproposta.
O consumidor precisa levar a cópia do contrato e informar o saldo devedor atualizado e a data do último vencimento da operação. Além dos juros, é preciso avaliar os custos com cartórios e eventuais despesas. E quanto mais perto do fim do contrato, menos vantajosa é a troca de banco.
Em relação aos planos médicos, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) definiu um aumento de 8,14% para os contratos individuais ou familiares. Para quem precisa negociar, uma dica é também buscar a portabilidade. Marchetti lembra que o consumidor tem uma janela anual para trocar de operadora.
“É possível fazer a portabilidade após um ano de contrato”, diz.
Outro vilão para quem ficou com o orçamento mais apertado desde a pandemia tem sido o aluguel. No caso do músico gaúcho David Lima, 36, o jeito foi mudar de apartamento, já que o proprietário do imóvel em que ele morou por seis anos queria impor a ele um reajuste de 31%.
“Moro sozinho desde os 15 anos e sempre consegui me manter, mas quando os bares e teatros em que eu me apresentava tiveram de fechar, fiquei sem renda do dia para a noite”, conta.
Ele precisou gastar as economias para cobrir o aluguel até o fim do contrato. Quando soube do reajuste, tentou negociar.
“O proprietário não abriu mão do reajuste e tive de agir rápido: o porteiro me contou que um dos moradores era dono de outros imóveis e tem agido como um ‘olheiro de inquilinos’ na pandemia”, diz.
O vizinho sonda quem está perto de renovar seu contrato e oferece um imóvel por menos. Lima conseguiu alugar um imóvel parecido por um valor 10% menor.
Segundo a Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), 98% dos reajustes de contratos no estado não aplicaram o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), índice referência para aluguéis que aumentou 31,1%, em 12 meses até março.
Uma proposta na Câmara dos Deputados prevê um teto para os reajustes.
A entidade destaca que os reajustes têm sido feitos abaixo do IGP-M e os proprietários estão” flexíveis, já que a vacância em março era de 27,5% nos imóveis comerciais e de 20,6% nos residenciais.
Com a pandemia, o índice sofreu uma discrepância, completa o presidente da entidade, José Roberto Graiche Júnior. Mas ele considera ser importante evitar uma interferência do governo, pois isso geraria “desestímulo e medo de investidores em aplicar em imóveis para renda”, diz.
A consultora Márcia Tolotti lembra que, além de saber os seus direitos, o consumidor precisa usar o autoconhecimento na hora de definir uma estratégia de negociação –e fazer uma análise realista de quanto se pode pagar para ir à negociação com uma proposta em mãos.
“Se eu sei que fico nervoso em situações de confronto, tenho de me concentrar e desenvolver um autocontrole. E é preciso ser cordial e escutar o que a outra parte tem a dizer”, diz.
Para quem já está endividado e precisa renegociar a pendência, uma saída é participar dos feirões de regularização. No feirão da Serasa, por exemplo, é possível conseguir descontos de até 90% da dívida. A instituição tem parceria, entre outros, com empresas de varejo, bancos e operadoras de telefonia. Em fevereiro, o número de inadimplentes no país passava de 62,5 milhões.
Dicas para renegociar contratos
Plano de saúde
Tente pedir a portabilidade para um plano mais acessível, reduzir a cobertura ou parcelar mensalidades em atraso (tomando cuidado para não acumular dívidas)
Mensalidade escolar
Pais podem pedir planilha de custo e avaliar se o valor cobrado é justo. Também é possível argumentar que a escola reduziu despesas, como energia, com as aulas remotas
Aluguel
Negocie para evitar o IGP-M, que acumula fortes altas, e compare o novo valor com o de imóveis parecidos. No caso de atrasos, tente parcelar
Financiamentos
Compare os juros cobrados com os de outras instituições. A portabilidade pode ser usada para migrar para opções mais baratas ou para negociar com o banco
FONTE: Notícias ao Minuto / Folhapress.