Judiciário pode deixar de cumprir a Constituição em 2020
O aumento de salários dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) aprovado na semana passada pelo Senado, pode fazer com que o Judiciário deixe de cumprir a Constituição a partir de 2020. A Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um teto de gastos por poder, dá um prazo de três anos para adequações nas contas. O prazo termina em 2019 e nos últimos dois anos o Judiciário já gastou além do teto. Se o aumento de despesas for sancionado pelo presidente Temer, ficará muito difícil fechar as contas nos próximos anos, sendo que a partir de 2020 furar o teto será descumprir o texto constitucional, como explica o diretor do Instituto Fiscal Independente do Senado, Gabriel Leal de Barros.
— Os números mostram que hoje o Judiciário já gasta acima do teto de gastos. O Judiciário hoje é o poder que gasta acima do teto. Tanto em 2017 como em 2018 o Judiciário vem gastando acima do teto. No fundo o que a regra do teto diz para a gente é que esses três anos [2017, 2018 e 2019] não é para os Poderes descumprirem, é para justamente que o poder adote medidas gradativas de redução da despesa para que em 2020 possa ter todas as condições de andar com as próprias pernas. Porque até 2019 o que furar o teto é bancado pelo Executivo. O aumento dos salários faz justamente o contrário, que é o aumento das despesas obrigatórias.
Na semana passada, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), rebatendo uma informação de que aprovação do projeto era uma ‘pauta-bomba’ para o governo Bolsonaro, disse que a aprovação não significava aumento de despesas. Segundo ele, o Judiciário terá que remanejar as contas para cumprir o teto. O problema é que além do Judiciário já não estar cumprindo o teto há pouco espaço para esse “remanejamento”. A lei do teto de gastos permite para 2018 aumento de 7,2% das despesas do Judiciário, e de acordo com relatório do Tesouro, até setembro, as despesas do Judiciário saltaram 8,1%.
De acordo com estudo do IFI de 2017, ainda em 2016 o Judiciário tinha total de R$ 36 bilhões de despesas sujeitas ao teto, sendo que R$ 31 bi de despesas obrigatórias, onde não se pode cortar, e apenas R$ 4,8 bi de despesas discricionárias, ou seja, passíveis de corte. Com o aumento de salários aprovado no Congresso, aumentam as despesas obrigatórias. E de acordo com consultoria da Câmara e do Senado, o aumento aprovado terá impacto de R$ 4 bilhões em todo o Judiciário, pelo efeito cascata.
A negociação do aumento ao Judiciário levou em conta a possível extinção do auxílio-moradia, que acabou sendo incorporado aos salários dos juízes e ministros. A lei aprovada no Congresso não fala no auxílio-moradia, mas Temer sinalizou que pode sanionar o aumento apenas após o fim do auxílio-moradia. Mesmo que isso ocorra, de acordo com Leal de Barros, o aumento de despesas persiste.
— O reajuste vai custar em torno de 6 mil [por mês] e o auxílio-moradia é 4.500, então liquidamente, no final do dia, você teria um aumento de despesas. Que hoje já é acima do teto. Então não é uma situação confortável. Mesmo se acabar o auxílio-moradia continua ruim, porque a despesa vai aumentar num contexto em que Judiciário já gasta em 2018 acima do seu teto e que já ocorreu no ano passado. O que Judiciário deveria estar fazendo é o oposto: se preparar para cumprir o teto e cumprir a Constituição.
Se o Poder Judiciário deixar de cumprir o teto de gastos a partir de 2020, o próprio instrumento do teto de gastos pode ficar ameaçado.
— O que está em discussão não é algo pontual, esse tipo de coisa pode comprometer em alguma medida, mais ou menos, todo o arcabouço fiscal institucional do País. Hoje a âncora fiscal do País é o teto de gastos. Se o teto começar a ser flexibilizado, ele começar a inexistir. E isso tem efeito na expectativa de mercado. Pode afetar juros, câmbio, risco-país.
Além da questão da falta de espaço no orçamento, a aprovação do reajuste do Judiciário e da PRG (Procuradora-Geral da República) fere tanto a Lei de Responsabilidade Fiscal quanto a Lei Orçamentária. Os projetos de lei complementares (PLCs 27 e 28/2016) violam o artigo 169 da Constituição Federal, que trata das despesas com pessoal, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018, por não estarem na descrição de despesas. O artigo 21 da Lei de Responsabilidade fiscal prevê que sejam anulados atos que provoquem aumentos de despesa.
— A aprovação do reajuste viola ainda a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Orçamentária. Como cria aumento de despesa obrigatória, cria uma complexidade estrutural para que o Judiciário cumpra a Constituição, que é partir de 2020 cumprir o teto de gastos. A Lei Orçamentária diz que toda e qualquer despesa tem que estar prevista no Orçamento, e os aumentos não estão na previsão orçamentária do governo. Então foi aprovado em desacordo com a Lei Orçamentária.
FONTE: R7.