Conexão Japão: O segredo da baixa criminalidade
No início dos anos 2000, o intercâmbio entre as polícias brasileiras e a Agência Nacional de Polícia (NPA) do Japão foi intenso. Alguns anos depois, relatório do escritório de crimes e drogas das Nações Unidas (UNODC) apontou o policiamento comunitário como principal fator para o número reduzido de homicídios no Japão, apenas 0,3 a cada 100 mil habitantes. Após ter os jogos pan-americanos garantidos pelo exército, o governo do Rio de Janeiro resolveu investir na instalação de unidades de polícia pacificadora (UPPs) em morros e favelas a partir de dezembro de 2008, visando os eventos de grande porte que viriam.
Chamados pela população com o honorífico pronome de tratamento omawari-san (aquele que está ao redor), os policiais japoneses organizam-se em rede de pequenos postos locais, chamados koban. Há cerca de 7 mil estações policiais deste tipo, espalhadas por todo o território japonês. O modelo surgiu em 1874 e, após programa de assistência e treinamento internacional de polícias promovido pela Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), já foi adotado na China, na Indonésia, em Cingapura, Honduras e, recentemente, no Brasil, com as UPPs do Rio.
Essa rede é responsável pela agilidade no atendimento às vítimas de crimes, por investigar e solucionar diferentes categorias de delitos e, ainda, sua presença em áreas de grande visibilidade, por exemplo em frente às estações de trem, serve para inibir a criminalidade. No entanto, postos policiais, apenas, não seriam suficientes para eliminar o crime quase por completo, fato pelo qual o Japão é conhecido mundialmente.
A segurança pública é condição sine qua non para o turismo, indústria em expansão constante. Porém, esta sociedade de violência insignificante não seria possível sem a própria população se policiar. Esta é uma questão cultural de difícil assimilação para um milhão de estrangeiros que vivem atualmente no Japão, acostumados a zelar pela privacidade em seus países de origem: o autopoliciamento e a patrulha onipresente.
A vigilância é permanente, sintetizada no termo kanshin, e está por onde quer que vá o cidadão. Na farmácia, o mais simples medicamento, como um analgésico, não é vendido sem prescrição médica e, mesmo de posse desta, uma série de perguntas devem ser respondidas, algumas bem desagradáveis: “você ainda tem medicamento estocado?” e “qual a finalidade de comprar este remédio?”.
Existe um ditado popular, entoado em reuniões de abertura de período letivo do Ensino Fundamental: “para educar uma criança, não bastam os pais, e sim, é preciso uma vila inteira”. Por isso, de manhã, ao se comprimentarem, os vizinhos estão sempre checando se a ida das crianças à escola está conforme a normalidade e qualquer desvio logo vira assunto no centro de convivência do bairro, o tchounaikai. Nas empresas, para o bom andamento das operações, é normal que os funcionários emitam relatórios aos superiores sobre o comportamento de seus pares.
Portanto, diferente do Brasil, os timpirá, a escassa e impopular marginália japonesa, não pode estabelecer qualquer inversão de valores como “a lei do crime”, condenando atos de denúncia e usando pejorativamente o termo “alcaguete”. Por outro lado, para não levantarem suspeitas, os verdadeiros delinquentes daqui sempre têm em mente que precisam praticar padrões de comportamento normais, pois a sociedade não faz vista grossa, não teme, não colabora e logo aciona a polícia, que está sempre por perto.
FONTE: A TRIBUNA.