1 em cada 6 membros do Congresso Nacional gasta parte da cota parlamentar com doador de campanha

Cruzamento de dados de doações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com os gastos da Câmara dos Deputados e Senado apontou que um em cada seis membros da Câmara dos Deputados e Senado gasta parte de suas verbas de gabinete com serviços fornecidos por pessoas ou empresas que fizeram doações em suas campanhas eleitorais. Os benefícios “cruzados” chegam a R$ 2,5 milhões, distribuídos entre 92 deputados e senadores aos seus doadores.

Os números foram obtidos e analisados pelo Jornal O Estado de São Paulo a partir da ferramenta Datascópio, criada pelo jornalista Claudio Weber Abramo, diretor da ONG dados.org. A plataforma atualiza automaticamente suas informações somente com bases de dados oficiais. Foram consideradas doações da última eleição nacional (2014) e os gastos da atual legislatura.

Analistas ouvidos pelo O Estado de São Paulo apontam que o pagamento por si só não é crime, mas que há o risco de que esses “gastos cruzados” possam ocultar benefícios indevidos. Outra crítica é que este tipo de apoio aos parlamentares acaba virando uma espécie de acordo comercial, sem interesse público.

Em quase metade dos casos (40) identificados pela reportagem, esses doadores receberam mais do que passaram às campanhas dos parlamentares, ou seja, o valor recebido em troca de serviços foi maior do que o doado – em um dos casos, 36 vezes maior. Os serviços mais adquiridos são os de gráficas, locadoras de veículos e gastos com postos de gasolina.

O senador e pré-candidato ao governo de Rondônia Acir Gurgacz aparece no topo da lista. O seu gabinete destinou R$ 392,9 mil em pagamentos a Gilberto Piselo do Nascimento, que também é seu suplente e chegou a assumir o mandato por um curto período em 2016. O valor teve como destino o aluguel de imóvel do suplente para uso como escritório político do senador.

Em fevereiro, Gurgacz foi condenado a 4 anos e 6 meses de prisão em regime semiaberto e suspensão dos direitos políticos por crimes contra o sistema financeiro pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, mas segue no mandato.

Nem sempre o valor gasto pelos parlamentares atinge o da doação feita. O deputado federal Weliton Prado (Pros-MG), por exemplo, recebeu R$ 416,2 mil em doações da Sempre Editora Ltda, que tem como sócio o prefeito de Betim, Vittorio Medioli (Podemos-MG). Ao menos outros dez parlamentares usaram os serviços da editora. Somente em um dos casos os gastos superaram a doação – com o deputado federal Toninho Pinheiro (PP-MG), que recebeu R$ 1,9 mil e gastou R$ 20,8 mil de sua cota com a empresa.

Transparência

O professor de Direito da FGV-SP, Carlos Ari Sundfeld, avalia que não há uma proibição formal para que os parlamentares usem serviços de seus doadores, mas ressalta que esse tipo de gasto acende um alerta. “Esse tipo de gasto levanta preocupações, pois pode haver uma escolha indevida, um preço indevido ou até uma situação de não prestação de serviços”. Para ele, é necessária uma regulamentação: “Não há proibição, mas talvez devesse existir.”

Embora as doações de empresas estejam vetadas, o risco é que o problema continue com doadores de pessoa física. O cientista político Hilton Cesário Fernandes, professor da pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), diz que esse tipo de doação enfraquece o caráter democrático das eleições. “É evidente que existe um interesse entre o prestador de serviço eleger determinada pessoa só para ser contratado, o que não é de interesse público, mas sim um negócio.”

Contratos foram regulares, dizem citados

Procurados pelo Estado, os parlamentares defenderam os gastos e afirmaram que têm como provar que todos os serviços foram prestados, respeitada a legislação. Todos negaram ter qualquer relação com as empresas além dos serviços. O senador Acir Gurgacz disse que o aluguel pago ao advogado Gilberto Piselo do Nascimento é para uma sala comercial em Ji-Paraná (RO), e que o pagamento é feito desde 2010, antes de Nascimento ser seu suplente. “O preço do aluguel pago é compatível e até inferior ao preço de mercado, dada a localização e as dimensões da área ocupada”, diz o senador.

O deputado João Arruda diz que a relação com a empresa contratada é “meramente comercial” e a empresa é “bem conceituada no setor”. Valmir Prascidelli disse que os pagamentos referem-se à locação de um imóvel e que a doação é, na verdade, o valor da cessão gratuito de um imóvel como comitê eleitoral na campanha de 2014.

O deputado Alexandre Vale disse que optou por contratar a locação de um veículo em sua cidade, no Estado do Rio de Janeiro, depois de ter lido matérias “de coisas irregulares que aconteciam em Brasília”. “O valor da locação é o mesmo desde que eu assumi o mandato. Foi até bom para o caixa da Câmara.”

O deputado Eros Bindi (Pros-MG) diz que a empresa de locação de veículos que o atende já prestava serviços antes de fazer a doação eleitoral. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) afirmou que a gráfica citada apresentava documentação que atendia às regras e “foi contratada após pesquisa de preço.”

O deputado Eduardo Barbosa afirmou que a relação com a empresa é de cliente-fornecedor, com o menor preço na região para o objeto contratado. Já o deputado Deley (PTB-RJ) diz que mantém um gabinete em Volta Redonda (RJ) para atendimento da base eleitoral, e que o contrato vem desde 2003, com valores de acordo com o mercado imobiliário.

Procurada, a BVK Advogados Associados diz que não vê conflito de interesse. De acordo com a BVK, os serviços prestados pelo escritório ao deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) não guardam relação com a atividade do parlamentar.

FONTE: Jornal O Estado de São Paulo.

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