Violência no futebol: bem além dos estádios
Um problema que perdura há anos e que jogo após jogo levanta novas questões para apontar soluções: a violência dentro e fora dos estádios de futebol. Os casos de vandalismos, depredações e até homicídios estão cada vez mais frequentes e no futebol cearense não é diferente.
Após o massacre que ficou conhecido como “A chacina do Benfica”, onde sete pessoas, que teriam (a maioria) ligações com torcidas organizadas foram assassinadas no último dia 9, pelo Governado do Estado, Prefeitura de Fortaleza, Ministério Público do Ceará (MPCE), entre outras autoridades, além de representantes dos clubes (Ceará e Fortaleza), um documento com medidas que possam ajudar a coibir e acabar com a violência nos estádios da Capital.
Entre elas está o cadastramento biométricos dos torcedores que vão aos estádios, um local sem cadeiras na Arena Castelão e no PV para os torcedores que preferem assistir aos jogos de pé, definir estabelecimentos onde torcedores condenados pelo Estatuto do Torcedor se apresentarão em dias de jogos e discutir projetos sociais onde eles possam cumprir a pena através da prestação de serviços.
O MPCE foi além e divulgou uma nota onde reforça e cobra a extinção das atividades das torcidas organizadas e Fortaleza e Ceará. De acordo com a nota do MPCE, as torcidas estimulam a desavença, retaliações e práticas de crimes entre seus associados, sendo assim uma grave ameaça ao bem-estar social.
O debate por uma solução é amplo e envolve várias questões. Será que o fim das torcidas organizadas resolveria o problema da violência? Os conflitos acontecem mais dentro ou fora dos estádios? A retirada das cadeiras de setores específicos e a real utilidade da biometria nos estádios ajudará, de fato, a solucionar o problema?
Considerado o esporte mais apaixonante do País, o futebol costuma agregar grupos de pessoas de todas as idades, e classes nos estádios de futebol. No entanto, a segurança é um quesito que ainda merece maior atenção. “O principal problema é a falta de planejamento e investimento de uma parte do capital gerado pelo futebol em esquemas que possibilitem os espetáculos serem apenas para diversão. É completamente inadmissível que não existam esquemas especiais para mobilidade das pessoas, com transporte público de qualidade para o deslocamento dos torcedores para o jogo e para volta a suas casas”, considera o professor da UFC e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC, Luiz Fábio Paiva.
Preocupação
No entanto, o problema atinge uma esfera bem maior e fora da praça esportiva, onde ruas, avenidas e terminais de ônibus da Capital vivem um verdadeiro caos, principalmente em dias de clássicos. Geralmente 850 policiais militares trabalham na segurança em dias de jogos maiores. Para o tenente Dabin, que faz parte do Batalhão de Policiamento de Eventos da Polícia Militar, a violência fora do estádio ainda requer uma atenção maior.
“Dentro do estádio não há tanta dificuldade. Inclusive estamos dialogando sempre com as torcidas organizadas na intenção de manter a ordem, mas fora do estádio a situação é mais problemática. Acredito que a extinção não seja o caminho, pois aqueles que se infiltram irão achar outra forma de agir. É necessário que haja mais investigação”, pontuou.
Pioneiro
Um dos pontos propostos na reunião, o serviço de biometria foi implantado, pela primeira vez no Brasil, a partir de setembro de 2017, pelo Atlético Paranaense, na Arena da Baixada, no clássico contra o Coritiba. Na ocasião, mais de 17 mil torcedores fizeram uso do sistema e não foi registrada nenhuma ocorrência.
O Promotor de Justiça Oscar Fioravanti defende a tecnologia como forma de ajudar a identificar infratores. “É uma medida que pode ajudar a curto prazo. O cadastramento dessas pessoas, o acompanhamento e o afastamento daquele torcedor que tem um histórico de violência, que tem envolvimento com outros tipos de delitos, é necessário”, disse. O promotor também defende a retirada de cadeiras de determinados setores das arquibancadas. Segundo ele, isso impediria brigas e conflitos maiores dentro dos estádios.
O sistema atual da Prefeitura de Fortaleza já conta com um cadastro de biometria facial de 1,1 milhão de pessoas em seu banco de dados. A intenção é aproveitar os dados para o controle de entrada nas arenas esportivas. Pode ser este, enfim, o primeiro a sair do papel, para que cenas de barbárie não se repitam, pelo menos em dias de jogos na Capital cearense.
Opinião do especialista
Mudança cultural
Luiz Fábio Paiva. Professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC
Os estádios de futebol abrigam equipes patrocinadas por empresas privadas e que movimentam um mercado bilionário. O capital gerado pelo futebol é muito significativo. Além disso, o amor que gira em torno do futebol, no Brasil, é um fenômeno cultural dos mais importantes. Ao considerar estes fatores é impossível entender como governos não estão preparados para agenciar medidas de segurança e defesa dos direitos humanos de quem quer apenas torcer. O problema da violência dentro e fora dos estádios de futebol não são as torcidas nem mesmo as organizadas. O principal problema é a falta de planejamento e investimento de uma parte do capital gerado pelo futebol em esquemas que possibilitem os espetáculos serem apenas para diversão. A proibição ou a extinção não resolve o problema porque é a saída mais simples e, em pouco tempo, quem deseja promover a violência encontra outros meios para tal. É preciso criar outra cultura e transformar parte dos lucros das empresas que atuam no mercado da bola em investimentos para promoção da paz e dos direitos humanos nos estádios de futebol.
FONTE: Diário do Nordeste.