Surubinha de Leve e a apologia ao estupro na música pop
Misoginia e apologia ao estupro, infelizmente, não chegam nem a ser novidade na música pop. Embora o funk leve a culpa na atualidade, do rock ao rap, passando pelo sertanejo, esse sempre foi um tema que esteve presente de alguma maneira.
No entanto, a discussão sobre isso voltou à tona com a polêmica letra de Surubinha de Leve, de MC Diguinho, que foi contestada nas redes sociais. Uma das músicas virais do Brasil em 2018, o hit recebeu críticas principalmente pelo verso: ” “Só surubinha de leve / Com essas filha da p***. Taca a bebida / Depois taca a p*** / E abandona na rua.”
Com a discussão, a faixa foi retirada do Spotify e Diguinho prometeu lançar uma versão light do sucesso. O que não ameniza e nem apaga a intenção inicial. Até porque tudo que gira em torno do hit é ainda mais problemático em um momento onde assédios sexuais em Hollywood estão sendo combatidos e o empoderamento feminino é pauta da militância feminista nas redes sociais.
É estranho que só agora o funk ou letras com essa abordagem sejam rebatidas. O rock, inclusive, também já foi acusado de promover o discurso de ódio contra as mulheres. Em Some Girls, Mick Jagger fala sobre como diferentes tipos de mulheres se comportam e diz que as negras “só querem f*** a noite toda”.
Em 1987, o disco de estreia do Guns’n Roses precisou ter a capa modificada, já que a ilustração original mostrava uma mulher sendo violada por um alienígina.
Mas a comparação justa seria com o rap, onde as letras com algum teor misógino são bastante comuns. Eminem é o artista mais conhecido por escrever motivado por um aparente ódio por mulheres. Em Stay Wide Awake e Celebrity as referências sobre estupro são bem literais.
Tyler The Creator, Lil Wayne, Notorious BIG, DMX, Tyga e vários outros abordam o tema da mesma maneira há anos em suas músicas e são pouco contestados. Por aqui, as letras não chegam a citar a palavra estupro, mas sugerem o assédio de alguma maneira, principalmente no funk.
Em Surubinha de Leve, no entanto, a suposta menção a um crime ou a um ato deplorável está evidente e isso foi a gota d’água para a maioria das pessoas – principalmente para as mulheres. Alguns fãs de funk, no entanto, quiseram relativizar e dizer que a música refletia o ambiente em que os bailes acontecem e realidade que o funkeiro veio.
Para alguns pode amenizar, mas não justifica. Até porque na hora de acabar com a carreira do Biel pelo assédio à uma jornalista, ninguém hesitou. E se o momento é para finalizar com o discurso permissivo sobre o assédio sexual, não tem como ter pesos e medidas diferentes para casos semelhantes.
Se o meio em que funkeiros, rappers e roqueiros antigos cresceram influenciam esse comportamento, então é preciso entender o que fazer para que isso seja melhorado e evitado nesses mesmos ambientes.
Só assim esse tipo de letra deixará de ser também incentivada. Se Diguinho puder usar a licença do lugar que veio, as citaçaões a estupros e assédios em letras de música jamais serão combatidas. E os MCs, nunca entenderão que naturalizar isso é tornar a própria mãe, filha ou irmã vítima em potencial dos mesmos atos que defendem. Relativismo em uma era de polarização é uma das alternativas mais perigosas para o discurso e defesas de pautas importantes e urgentes. O funk não precisa ser demonizado. O mau uso dele para propagar este tipo de mensagem, sim.
FONTE: R7.